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Vem na carta o fio de água. Estou no quarto do fundo, o sopro da terra supro-o em mim com as vozes que me traz. Acabaram as castanhas (eram poucas e pequenas, não choveu), houve a esperada solução, uma desgraça, um princípio de mundo. Daqui é mais fácil ouvir todos os ruídos, todos os sopros, todos os encontros do sangue com o sangue. A não presença impõe, letra a letra, todos os significados, todas as razões do que se diz, todas as omissões. É um labor subterrâneo de decifração, em que cada significado se acrescenta à nossa gramática visceral. Vêm alguns rostos que agora são da matéria dos sonhos, algumas névoas que acrescentam rituais temores, frases desenhadas por sinceridades antigas. Tudo na carta: a ocupação dos lugares no espaço partilhado, a súbita angústia e a súbita alegria, o sol na parede branca, a mão que acaricia.